VALHA-NOS SANTA BÁRBARA !
Padroeira dos mineiros, era bom que Santa Bárbara intercedesse em defesa da Geologia e da profissão de geólogo em Portugal.
O nosso sistema de ensino sempre subalternizou a Geologia. Neste contexto, a maioria dos portugueses viu e ainda vê no estudo dos minerais, das rochas e dos fósseis algo de desinteressante e enfadonho, a cumprir para efeitos de avaliação escolar e, de seguida, lançar no caixote do esquecimento. Uma tal realidade, vinda de muito longe e que, só mais recentemente, mostra alguma tendência a inverter-se, não tem conduzido ao despertar de vocações em número suficiente, nem tem criado condições que fizessem sentir a necessidade de criação de aberturas profissionais e correspondentes postos de trabalho. Em consequência, o número de geólogos portugueses é francamente baixo face à importância da sua especialização profissional numa sociedade em franca transformação, carente de desenvolvimento, necessariamente sustentado, compatível com os valores da natureza. Neste domínio do conhecimento não se erra ao dizer que, em Portugal, o cidadão médio, ou não teve qualquer aprendizagem nesta área do saber, ou esqueceu o muito pouco que aprendeu, num desinteressante e tantas vezes ineficaz ensino destas matérias, como tem sido, infelizmente, característica notada do nosso sistema escolar.
Contam-se pelos dedos de uma mão as Câmaras Municipais que incluem um geólogo nos seus quadros. Juristas, economistas, arquitectos paisagistas têm que lhes chegue, mas geólogos, praticamente, nenhuns. Algumas dão emprego a arqueólogos, e bem hajam por isso, mas paleontólogos, zero. Esta realidade está na base de uma manifesta inexistência de cultura geológica nacional, a começar pela maioria dos responsáveis políticos e da administração a todos os níveis. Uma tal carência está patente na pobreza de terminologia geológica usada nos escassos diplomas legais onde se pode encaixar a protecção do património geológico. Nos vários domínios das Geociências, e com as excepções que é justo acautelar, a cultura geológica dos portugueses, praticamente, não existe, mesmo entre a maioria dos nossos cidadãos mais letrados, incluindo os nossos agentes de cultura e jornalistas, que insistem em tratar-nos por arqueólogos Não admira, portanto, que a geodiversidade e a geoconservação não estejam nas suas preocupações.
Para além da sua dimensão científica e tecnológica, as Geociências não podem deixar de ter uma dimensão cultural ao dispor de toda a gente. Os professores devem ter consciência desta realidade. Ao cumprirem, na aula, o programa obrigatório, devem ter presente que não estão só a fornecer bases para eventuais licenciados em Geologia (sempre raros ou inexistentes numa qualquer turma escolar), estão, sobretudo e na maioria dos casos, a formar cidadãos para quem essas bases são fundamentais em termos de preparação global. Assim, o ensino do programa oficial deverá ser tornado atraente com elementos culturais ligados ao quotidiano dos alunos. As amarras do programa oficial e o obediente e acrítico manual escolar contrariam qualquer acção dos bons professores, no que toca o ensino vivo desta disciplina. Porque não um programa mais flexível? Um programa que deixe, por exemplo, às escolas dos Açores ensinar vulcanismo a sério, sabendo-se, como se sabe, que qualquer das ilhas é um laboratório de extrema utilidade pedagógica, completamente desaproveitado. Um programa que permita aos professores, em geral, fomentar o gosto por este tipo de saber, iniciando os alunos na geologia, na geomorfologia ou na paleontologia da sua própria região: os granitos e os xistos, no norte e centro do País; as pirites e as sequências vulcânicas e sedimentares da Faixa Piritosa e os mármores, no Alentejo; as Serras de Sintra e da Arrábida e toda a sua riquíssima diversidade geológica, o sal-gema de Loulé e o seu significado geológico, a sismicidade na região de Lisboa, etc.. E porque não ligar estes conhecimentos às nossas origens como território e à sucessiva ocupação deste por outros povos e civilizações, em busca do ouro, do cobre, do estanho?
Se há domínios onde a regionalização faz sentido, o conhecimento geológico é certamente um deles. Devia dar-se às escolas e aos professores desta disciplina liberdade e tempo curricular para, em cada local e em cada oportunidade, escolherem a melhor via formativa, o que não exclui a obrigatoriedade de cumprir um programa mínimo, criteriosamente escolhido, por quem tenha competência, não só pedagógica mas também científica, para o fazer.
A extinção, pelo governo do Primeiro Ministro Durão Barroso, em 2003, do Instituto Geológico e Mineiro (antigos Serviços Geológicos de Portugal), com século e meio de volumoso, notável e valioso trabalho realizado, onde laboraram geólogos de grande prestígio nacional e internacional, reflecte o grave desinteresse por este domínio do conhecimento científico e tecnológico, por parte dos responsáveis por esta infeliz, triste e lamentável decisão. Por outro lado, a não reparação desta indignidade causada às Geociências portuguesas e aos seus cultores, pelo governo do Primeiro Ministro José Sócrates, põe em relevo a falta de cultura destes senhores neste domínio do saber e, daí, o não avaliarem convenientemente a sua verdadeira importância e o respeito que lhes é devido.
A recente mudança do nome do Instituto de Conservação da Natureza (ICN) para Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB) foi uma decisão infeliz dos seus mentores e das respectivas tutelas que, talvez distraídas, a consentiram. Foi, ainda, uma decisão teimosa, desnecessária, redundante e ridícula, que denuncia a pouca atenção que estes responsáveis dedicam à geodiversidade, sem a qual (talvez eles andem esquecidos) não poderia ter havido biodiversidade. Nem a que nos acompanha à superfície do planeta, nem a que só nos chega através das imagens colhidas nos campos hidrotermais das profundidades oceânicas.
Valha-nos Santa Bárbara!
Lisboa, 08. 01. 2009-01-09
A M Galopim de Carvalho
Padroeira dos mineiros, era bom que Santa Bárbara intercedesse em defesa da Geologia e da profissão de geólogo em Portugal.
O nosso sistema de ensino sempre subalternizou a Geologia. Neste contexto, a maioria dos portugueses viu e ainda vê no estudo dos minerais, das rochas e dos fósseis algo de desinteressante e enfadonho, a cumprir para efeitos de avaliação escolar e, de seguida, lançar no caixote do esquecimento. Uma tal realidade, vinda de muito longe e que, só mais recentemente, mostra alguma tendência a inverter-se, não tem conduzido ao despertar de vocações em número suficiente, nem tem criado condições que fizessem sentir a necessidade de criação de aberturas profissionais e correspondentes postos de trabalho. Em consequência, o número de geólogos portugueses é francamente baixo face à importância da sua especialização profissional numa sociedade em franca transformação, carente de desenvolvimento, necessariamente sustentado, compatível com os valores da natureza. Neste domínio do conhecimento não se erra ao dizer que, em Portugal, o cidadão médio, ou não teve qualquer aprendizagem nesta área do saber, ou esqueceu o muito pouco que aprendeu, num desinteressante e tantas vezes ineficaz ensino destas matérias, como tem sido, infelizmente, característica notada do nosso sistema escolar.
Contam-se pelos dedos de uma mão as Câmaras Municipais que incluem um geólogo nos seus quadros. Juristas, economistas, arquitectos paisagistas têm que lhes chegue, mas geólogos, praticamente, nenhuns. Algumas dão emprego a arqueólogos, e bem hajam por isso, mas paleontólogos, zero. Esta realidade está na base de uma manifesta inexistência de cultura geológica nacional, a começar pela maioria dos responsáveis políticos e da administração a todos os níveis. Uma tal carência está patente na pobreza de terminologia geológica usada nos escassos diplomas legais onde se pode encaixar a protecção do património geológico. Nos vários domínios das Geociências, e com as excepções que é justo acautelar, a cultura geológica dos portugueses, praticamente, não existe, mesmo entre a maioria dos nossos cidadãos mais letrados, incluindo os nossos agentes de cultura e jornalistas, que insistem em tratar-nos por arqueólogos Não admira, portanto, que a geodiversidade e a geoconservação não estejam nas suas preocupações.
Para além da sua dimensão científica e tecnológica, as Geociências não podem deixar de ter uma dimensão cultural ao dispor de toda a gente. Os professores devem ter consciência desta realidade. Ao cumprirem, na aula, o programa obrigatório, devem ter presente que não estão só a fornecer bases para eventuais licenciados em Geologia (sempre raros ou inexistentes numa qualquer turma escolar), estão, sobretudo e na maioria dos casos, a formar cidadãos para quem essas bases são fundamentais em termos de preparação global. Assim, o ensino do programa oficial deverá ser tornado atraente com elementos culturais ligados ao quotidiano dos alunos. As amarras do programa oficial e o obediente e acrítico manual escolar contrariam qualquer acção dos bons professores, no que toca o ensino vivo desta disciplina. Porque não um programa mais flexível? Um programa que deixe, por exemplo, às escolas dos Açores ensinar vulcanismo a sério, sabendo-se, como se sabe, que qualquer das ilhas é um laboratório de extrema utilidade pedagógica, completamente desaproveitado. Um programa que permita aos professores, em geral, fomentar o gosto por este tipo de saber, iniciando os alunos na geologia, na geomorfologia ou na paleontologia da sua própria região: os granitos e os xistos, no norte e centro do País; as pirites e as sequências vulcânicas e sedimentares da Faixa Piritosa e os mármores, no Alentejo; as Serras de Sintra e da Arrábida e toda a sua riquíssima diversidade geológica, o sal-gema de Loulé e o seu significado geológico, a sismicidade na região de Lisboa, etc.. E porque não ligar estes conhecimentos às nossas origens como território e à sucessiva ocupação deste por outros povos e civilizações, em busca do ouro, do cobre, do estanho?
Se há domínios onde a regionalização faz sentido, o conhecimento geológico é certamente um deles. Devia dar-se às escolas e aos professores desta disciplina liberdade e tempo curricular para, em cada local e em cada oportunidade, escolherem a melhor via formativa, o que não exclui a obrigatoriedade de cumprir um programa mínimo, criteriosamente escolhido, por quem tenha competência, não só pedagógica mas também científica, para o fazer.
A extinção, pelo governo do Primeiro Ministro Durão Barroso, em 2003, do Instituto Geológico e Mineiro (antigos Serviços Geológicos de Portugal), com século e meio de volumoso, notável e valioso trabalho realizado, onde laboraram geólogos de grande prestígio nacional e internacional, reflecte o grave desinteresse por este domínio do conhecimento científico e tecnológico, por parte dos responsáveis por esta infeliz, triste e lamentável decisão. Por outro lado, a não reparação desta indignidade causada às Geociências portuguesas e aos seus cultores, pelo governo do Primeiro Ministro José Sócrates, põe em relevo a falta de cultura destes senhores neste domínio do saber e, daí, o não avaliarem convenientemente a sua verdadeira importância e o respeito que lhes é devido.
A recente mudança do nome do Instituto de Conservação da Natureza (ICN) para Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB) foi uma decisão infeliz dos seus mentores e das respectivas tutelas que, talvez distraídas, a consentiram. Foi, ainda, uma decisão teimosa, desnecessária, redundante e ridícula, que denuncia a pouca atenção que estes responsáveis dedicam à geodiversidade, sem a qual (talvez eles andem esquecidos) não poderia ter havido biodiversidade. Nem a que nos acompanha à superfície do planeta, nem a que só nos chega através das imagens colhidas nos campos hidrotermais das profundidades oceânicas.
Valha-nos Santa Bárbara!
Lisboa, 08. 01. 2009-01-09
A M Galopim de Carvalho
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