quarta-feira, outubro 25, 2006

Diálogo

Um prólogo:
Na minha escola introduziram um sistema de cartões electrónicos que servem para tudo. Passa-se o cartão à entrada, quando se entra na escola, depois utiliza-se o cartão para tudo, carrega-se com dinheiro na papelaria e, só através deste sistema, se tem acesso aos vários serviços que a escola oferece. O sistema começou na segunda-feira dia 23 de Outubro. Excepcionalmente, na segunda feira, ainda se podiam comprar coisas no bar ou na papelaria e reprografia com dinheiro, a partir de hoje o uso do cartão era obrigatório.

Outro prólogo:
Para quem me conhece bem, sabe que eu leio tudo aquilo que encontro em placards, além disso, ainda construo menmónicas com o que leio para conseguir visualizar e memorizar o que diz em cada placard, pois não aponto nada em lado nenhum. Aliás, na faculdade, eu e o Flipinho da Madeira eramos conhecidos por sabermos tudo o que estava nas paredes de cada andar, porque utilizavamos os cartazes antigos para cadernos de apontamentos.

Sexta-feira, 20 de Outubro de 2006
Local: ESSA, sala de fumo.
Hora: 23,00H.

A- Sabem que a partir de segunda-feira os alunos só podem comprar coisas com o cartão.
Loca- Qual cartão?
G- Cartão? Comprar coisas com cartão?
(poderia repetir aqui a pergunta mil vezes porque, tirando A. ninguém sabia que eram necessários cartões.)
...
Loca- Mas como soubeste dos cartões? E nós? Continuamos a comprar com dinheiro? Ou também vamos ter um cartão?
A- Nós vamos ter cartão. Eu já entreguei a minha fotografia há mais de um mês e hoje fui buscar o cartão. Querem ver?
(A. mostra-nos o cartão. Ficámos todos boquiabertos...)
A- Vocês não entregaram fotografia no executivo?
Todos os outros- Não. Nem sabia que era preciso, como soubeste?
A- Sei lá, acho que vi no placard.
Loca- No placard? Onde? Em qual? Quando?
A- Ali. (e aponta para a sala de professores. Fiquei na mesma, aliás, se fosse desenho animado, tinham-se visto mil pontos de interrogação sobre a minha cabeça, a dançarinhar e a mudar de cores, a lembrar-me do que estava em cada placard e, onde haveria um papel que eu ainda não tivesse lido.)

Segunda-feira, 23 de Outubro de 2006
Local: ESSA, Conselho Executivo.
Hora: 19,00H.

Loca- Vim entregar a minha fotografia para o cartão.
G- Obrigada, passa cá depois para o levantares.

Terça-feira, 24 de Outubro de 2006
Local: ESSA, Conselho Executivo.
Hora: 17,00H.

Loca- Passei aqui para saber quando é que o meu cartão está pronto.
C- Quando entregaste a fotografia?
Loca- Ontem à noite.
C- Então, só lá para segunda feira.
(Pensei cá com os meus botões: Bem, então devemos poder comprar comida com dinheiro e fui para o bar. Aí fui informada que teria que utilizar o cartão. Expliquei que só soube da existência do cartão na sexta feira anterior e, que no conselho executivo me tinham dito que o meu cartão só estaria pronto na semana seguinte. A senhora do bar disse então que o conselho executivo estava a fazer uns cartões provisórios para estes casos.)

Terça-feira, 24 de Outubro de 2006
Local: ESSA, Conselho Executivo.
Hora: 17,30H.


Loca- Informaram-me agora no bar que vocês estão a fazer uns cartões provisórios para se poder comprar comida...
C- Ah isso é com o J. (e foi chamá-lo)
J- Colega!... (abstenho-me de dizer aqui o que são os colegas da minha terra!) Nós realmente estamos a fazer uns cartões provisórios mas só para substituir alguns dos cartões dos alunos que vieram com defeito e não funcionam.
Loca- Pois, 'tá bem mas entretanto como é que eu faço para comer? Entrei às 13,30h, ainda não comi porque não tenho cartão, vou dar aulas à noite, também não posso jantar?
J- Terias que ter entregue a fotografia para o cartão com antecedência...
Loca- Pois com certeza, tens razão. O problema é que eu só soube, por acaso, na sexta feira da existência dos cartões.
J- Pois não posso fazer nada. Foram avisados desde Junho que teriam que entregar uma fotografia para o cartão. Tiveram Junho, Julho, Agosto e Setembro para entregar uma fotografia.
(Esbugalharam-se-me os olhos, arrepiaram-se as sobrancelhas e, arrependi-me mil vezes de não ter feito a depilação, porque os pelos das pernas espetaram-se nas calças de ganga, dando-me dores horrendas que me atravessaram a espinha...)
Loca- Se calhar tens razão, mas em Junho, Julho e Agosto eu nem fazia ideia de que em Setembro estaria nesta escola. E desde o dia 1 de Setembro, quando me apresentei pela primeira vez nesta escola, não fui informada de que teria que entregar uma fotografia para utilizar os serviços da escola.
J- Pois não posso fazer nada.
Loca (fazendo de conta que ainda não tinha percebido)- Então esta semana toda, vou dar aulas até à meia-noite sem poder utilizar os serviços do bar? Vou estar uma semana inteira sem comer?
J. não respondia e Loca, impávida e serena, ficou à espera que a resposta viesse. J. foi o primeiro a ceder.
J- Diz-me lá o teu nome.
Disse o meu nome, J. foi ao computador, introduziu os dados e, em menos de um minuto fez-me o proibido cartão provisório.
J- Quando vier o teu cartão definitivo tens que entregar esse. E nem sei bem como vai ser para o substituir porque ainda não tive caso nenhum destes, nem sei se vai ser possível...

Agradeci, vim-me embora a ferver e a pensar. Não devias ter cedido meu "filho da asneira", porque enquanto te decidias a responder-me, eu já tinha feito o filme todo. Ia-me embora do meu orgão executivo com a informação de que teria que passar uma semana sem acesso aos serviços da escola, porque em Junho quando informaram os docentes da necessidade de entregar uma fotografia, eu pertencia a outra escola diferente, e, por isso, não pude entregar uma fotografia numa escola cuja existência eu desconhecia, mas... e é para isso que elas existem, haveria de reclamar e pedir explicações à presidente por escrito, e ainda, com conhecimento à DREL e ao Ministério da Educação.

Será que é tão difícil perceber que os professores novos numa escola não sabem o funcionamento específico desta se não forem informados? Será que era difícil pedir-se a tal fotografia juntamente com o preenchimento dos papéis de aceitação do horário? Será que era irrealizável ter "lembrado" os coordenadores de departamento para informarem os novos professores na primeira reunião, em Setembro, para a necessidade de entregar uma fotografia? São tudo impossíveis, eu sei, num sistema que promove a burocracia e a estupidez, nada mais seria de esperar!...Mas porque é que eu continuo a gostar de ser professora?

7 comentários:

Anónimo disse...

porque ser professor não é sinónimo de burocrata, burrocrata e estúpido... é por isso que ainda gostas ;)

Unknown disse...

Poisé! Sem cartão os "colegas" não comem ;)

hehehehhe

Patrícia disse...

LOL!!! Desculpa lá G., mas essa tem piada! estúpido que nem uma porta é o que esse teu "colega" é!
Prepotente de merda!
Pois é, estúpidos há-os em todas as profissões, não é??

Cenoura disse...

Vermelho, é o que eu digo... não o cartão mas o tal do livrinho que toda a gente se assuta quando perguntamos por ele.
Num país onde quem tem c* tem medo não é de estranhar que seja preciso 'meter' um requerimento para tudo e nada...

Mishka disse...

Seria de esperar que os colegas se ajudassem mais uns aos outros, não é?! Não consigo compreender a mentalidade dos que vivem pelo "lixo-te antes que tu me lixes a mim e se puder subir às tuas custas melhor". Chamem-me inocente ou ingénua mas não sou capaz! Se fosse até poderia estar melhor de vida mas, com certeza seria areia a mais para o camiãozinho da minha consciência.
Olha, Loca, resta sacudir a poeira, levantar a cabeça e seguir em frente. A tua atitude foi excelente!
:oD

ana disse...

Bom, OK, eu não devo ter lido isto. Não consigo acreditar numa coisa destas. Olha que fiz a depilação anteontem e mesmo assim, a ler isto, até se me espetaram os poros.

Leonor disse...

Não ligues, Loca. Cá não temos esse problema. Já havia cartão quando regressei do Superior e foi tudo resolvido num ápice. Há coisas que não valem a energia que gastamos nelas mas é mais forte. Desde ontem que ando aborrecida por causa de uma m***a de uma citação lá no blogue que tive a triste ideia de criar para a escola. Continuamaos a gostar de ser professoras porque os alunos são mais importantes do que o resto que se nos atravessa no caminho. Bjs